INTRODUÇÃO: O calazar ou leishmaniose visceral nas
Américas é causado pelo protozoário Leishmania infantum transmitido pela picada de
flebotomíneos fêmeas infectadas do gênero Lutzomyia. A literatura tem evidenciado
que pessoas com calazar apresentam desnutrição proteico-calórica e deficiência de
micronutrientes, mas não está esclarecido se a desnutrição seria um fator de risco para
a aquisição da infecção, se seria consequência do processo consumptivo prolongado e
se estaria associada ao prognóstico. OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional de
pessoas com calazar e correlacionar esses achados com a apresentação clínica e
laboratorial da doença e com os níveis de zinco e de retinol. METODOLOGIA:
Estudo transversal com 139 pessoas admitidas no Instituto de Doenças Tropicais
Natan Portela com sintomas sugestivos de calazar e com diagnóstico laboratorial.
Foram incluídos indivíduos de ambos os sexos, com idade acima de seis meses. A
classificação do estado nutricional para crianças, adolescentes e adultos seguiu as
recomendações da Organização Mundial de Saúde e do Sistema de Vigilância
Alimentar e Nutricional do Brasil. A antropometria seguiu o protocolo do Laboratório
de Avaliação Nutricional de Populações- USP. O cálculo da área de gordura do braço e
da porcentagem de gordura foram calculadas e a análise estatística foi realizada pelos
programas Stata/IC, Anthro e Anthro Plus (WHO). RESULTADOS: Os sinais e
sintomas de calazar mais frequentes foram febre, palidez, apatia, aumento do volume
abdominal. Três quartos dos participantes eram do sexo masculino de 12% tinham
infecção pelo HIV. Anemia, leucopenia ou plaquetopenia foram encontrados em
133(95,7%) dos participantes. O percentual de peso perdido durante a doença foi maior
em adultos. A prevalência de desnutrição variou com a idade e com os parâmetros
nutricionais utilizados e foi mais frequente em adultos acima de 20 anos de idade
(p>0,001). O IMC/idade, o percentual de gordura calculado pela área adiposa do braço
e o percentual de gordura calculado pela fórmula de Siri associaram-se
significantemente à probabilidade de morte acima de 0,10, à presença de HIV, à
hepatomegalia, à esplenomegalia, ao número de leucócitos e de linfócitos, à creatinina
séria e ao retinol plasmático. Os níveis séricos de vitamina A foram significativamente
maiores em homens em relação às mulheres adultas (p=0,02). Não houve diferença
estatisticamente significante dos níveis de Vitamina A em pessoas com HIV ou sem
HIV (p=0,08) e também não houve associação com o óbito (p=0,25). Os níveis de
VitA se associaram à contagem de leucócitos (rho= -28; p=0,002), e à ureia sérica
(rho=0,25; p=0,02). O zinco plasmático estava reduzido em todos os participantes, mas
não houve associação deste mineral com as vaiáveis de desfecho. O zinco eritrocitário
esteve estatisticamente associado à ureia sérica (rho= -0,24; p=0,02), mas não se
associou às demais variáveis clínicas, laboratoriais, demográficas, de moradia e
saneamento. CONCLUSÃO: A desnutrição presente em pessoas com calazar é mais
prevalente em adultos e idosos e associa-se à gravidade da doença em todas as idades.
Os níveis de Vitamina A e de zinco estão significantemente reduzidos em indivíduos
com calazar. A deficiência de Vitamina A associou-se à desnutrição e à gravidade da
doença. Os níveis plasmático e eritrocitário de zinco estão reduzidos na totalidade das
pessoas com calazar, mas não se associou à gravidade ou ao risco de morte.