PERSISTÊNCIA DE LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO HOSPEDEIRO HUMANO: PROTEÇÃO OU SUSCETIBILIDADE?
Persistência parasitária, Cicatriz, Leishmanioste Tegumentar Americana
CONTEXTO. A persistência parasitária no hospedeiro humano é uma característica peculiar das espécies de Leishmania provavelmente por sua grande capacidade de adaptação para evasão dos mecanismos de defesa celular. Graças ao desenvolvimento das técnicas de diagnóstico molecular, infere-se, a partir de resultados da reação em cadeia da polimerase (PCR) que, na leishmaniose tegumentar americana (LTA), esta persistência está associada tanto a doença recorrente e disseminação hematogênica do parasita da cicatriz para a mucosa oral/nasal, quanto à proteção imunológica contra a reinfecção clínica em indivíduos que permanecem em áreas endêmicas. Enquanto a L. braziliensis permanece na cicatriz em cerca de 8090% dos casos curados anos após o tratamento, a recorrência ocorre apenas em cerca de 5% dos casos. Embora se saiba da persistência de Leishmania no hospedeiro humano, ainda não se tem conhecimento claro sobre a quantidade de parasitas que persistem, e que variáveis podem ter efeito determinante sobre esta quantidade. OBJETIVO. Assim, este trabalho analisou o efeito de variáveis sociodemográficas, clínicas, imunológicas e de tratamento prévios sobre a carga parasitária atual da Leishmania no sangue e na cicatriz, e sua relação com a recorrência da doença. METODOLOGIA. Incluiu-se no estudo 30 indivíduos curados para LTA, que vivem atualmente na região de Santa Teresa em Teresina-PI, a partir do cadastro no SINAN/SESAPI e da Equipe Básica de Referência da Estratégia Saúde da Família da FMS/Teresina (EBS/FMS) da região. Dados sociodemográficos, clínicos, laboratoriais, terapêuticos foram obtidos do SINAN, enquanto que dados clínicos atuais, de evolução da doença, de caracterização da cicatriz foram realizados em visita domiciliar. Foram realizadas nova reação de Montenegro, coleta de sangue periférico e biopsia da borda da cicatriz correspondente à lesão primária. Estas amostras biológicas foram processadas para realização de PCR convencional e PCR quantitativo em tempo real. RESULTADOS. Na amostra, houve homogeneidade de gênero (feminino: 63,3%, p > 0,05), com a maioria dos casos com diagnóstico nos anos de 2009 e 2010 (27/30, IC 95%: 76,7% a 96,7%). Todos apresentaram resultado positivo na PCR convencional para a presença de DNA de Leishmania no sangue periférico, havendo quatro casos com histórico de doença recorrente (13,3% Intervalo de Confiança de. 95% I.C. 95%: 3,3% a 20%), associados a alta carga parasitária. A ausência de história de recidiva aumentou em 69% a probabilidade de baixa carga parasitária no sangue periférico (RR = 0,31, I.C. 95%: 0,138 a 0,483), enquanto que o tratamento com amoniato de N-metil meglumina reduziu a probabilidade de elevada carga parasitária em 64,1% (RR = 0,359, IC 95%: 0,154 a 0,839%) Entretanto, a elevada carga parasitária no sangue periférico esteve associada à cicatriz menor que 2 cm (p = 0,021) e ao menor diâmetro da reação de Montenegro (p = 0,036). CONCLUSÃO. Leishmania é uma parasita persistente por ser capaz de se evadir dos mecanismos da resposta imunológica do hospedeiro humano. É possível que o DNA de parasita encontrado no sangue advenha de parasitas vivos em monócitos circulantes infectados ou da persistência do parasita vivo na cicatriz provocando uma inflamação leve responsável por destruir parasita e distribuir DNA do parasita no sangue periférico. Uma elevada intensidade da reação imunológica do tipo de resposta TH1 pode ser refletida no diâmetro da reação de Montenegro e embora controle a infecção, não elimina completamente o parasita do organismo. Essa forte reação de Montenegro pode indicar proteção e resistência a doença recorrente mesmo com parasita persistente no organismo. Uma resposta fraca ao teste de Montenegro está associada a uma elevada carga parasitária no sangue periférico, o que indica alerta e necessidade de monitorização ao longo do tempo pois disfunções metabólicas e condições imunossupressoras podem conferir maior vulnerabilidade para doença recorrente a este grupo, principalmente nos casos infectados com L. braziliensis. O seguimento destes casos para avaliação de desfecho pode complementar este estudo, pois a análise da carga parasitária, juntamente com a reação de Montenegro e com fatores de resistência ao parasita contribuem para a melhor compreensão da imunologia da LTA.