Introdução: Os acidentes estão entre as principais causas de morte em crianças e, em maioria, ocorrem no domicílio, desafiando os conceitos tradicionais de segurança na infância. A mortalidade infantil global em decorrência de acidentes está entre as poucas causas que não apresentam projeção para diminuição de casos. Como consequência desse alto índice de mortes em decorrência de acidentes domésticos na infância, têm-se os impactos na vivência materna que podem desencadear implicações importantes no cotidiano de mães. Objetivo: Desvelar o sentido de mães cujos filhos morreram em decorrência de acidentes domésticos na infância. Metodologia: Pesquisa de natureza qualitativa, fundamentada na fenomenologia existencial de Martin Heidegger, realizada no Estado do Piauí, Brasil, com 10 mães cujos filhos morreram em decorrência de acidentes domésticos na infância. Realizou-se uma entrevista fenomenológica entre maio e junho de 2017. Os procedimentos analíticos, através da analítica heideggeriana, envolveram a compreensão vaga e mediana e análise hermenêutica. Resultados: A análise compreensiva, no primeiro momento metódico, mostrou que as mães sabiam que a culpa pela morte dos filhos não era delas, pois destes cuidavam, e oscilaram em apontar e negar a existência de culpados. Tentaram salvar o filho através do cuidado fornecido no momento do acidente doméstico. Após constatação da morte da criança, sentiram sensação de vazio para, em seguida, entrarem em estado de desespero. Sentiram e ainda sentem sofrimento profundo pela morte do filho. Sentiram a falta da criança no passado, sentem no presente e já compreendem e antecipam que sentirão no futuro. Sentiram e sentem medo que traz inquietações e limitações para próprias vidas e de outros filhos. Tiveram a necessidade de ser fortes na tentativa de superar a perda e, para isso buscaram suporte em familiares e na espiritualidade para se fortalecer. Na hermenêutica, o ser-aí-mãe-cujo-filho-morreu-em-decorrência-de-acidente-doméstico-na-infância encontrou novos modos de ser mãe, que possibilitaram a continuidade da relação com o filho. Mostrou-se na impessoalidade, na impropriedade e na inautenticidade movida pela publicidade do cotidiano de ser mãe, cuja compreensão mediana revelou-se por meio do falatório. Diante da facticidade de ser-sem-o-filho, o ser-aí-mãe mostrou-se presa ao passado que, cronologicamente, é demarcado como antes da morte do filho. Ao negar a não culpa pela morte da criança, destacaram-se as funções maternas desempenhadas e mostraram-se ocupada e preocupada (de forma autêntica e inautêntica) quando significa a não culpa balizada no vigor-de-ter-sido uma boa mãe. Após a morte, se ocupa do filho nas cerimônias destinadas à homenagem aos mortos e se mostra no modo de uma preocupação reverencial. Desvela-se no modo de ser-para-a-morte cotidiano e impessoal, ao não aceitar que ela mesmo e o(s) filho(s) podem morrer. Nessa disposição, teme no modo do pavor. Diante de tantas mudanças e afetações, precisa ser forte para apoiar o marido, cuidar dos filhos e manter a rotina familiar. Para isso, oscila em cuidar e ser cuidada, e esse cuidado ocorre nos modos de uma preocupação que, por vezes, é autêntica e, em outras ocasiões, acontece na inautenticidade. Considerações finais: O desvelamento dos modos de ser das mães permitiu identificar, no contexto do processo de luto materno e nas perspectivas para promoção do cuidado, as necessidades de: ampliar a compreensão e os modos de acolhimento à dor da mãe enlutada e refletir sobre a culpa enquanto constituinte do enlutamento materno; acrescer as discussões acerca da morte, em especial no cerne da infância, de modo a diminuir os preconceitos e tabus que cercam esse tema; promover atenção multiprofissional e integral à mãe e família; e desenvolver intervenções, a fim de habilitá-las na prevenção de acidentes domésticos na infância para, assim, colaborar para reduzir o pavor relativo a esse prejudicial.