O conceito de comunidade moral na filosofia de Alasdair MacIntyre
Comunidade moral, Alasdair MacIntyre, Virtudes, Praticas Sociais, Tradição
A obra do filósofo escocês Alasdair MacIntyre (1929-) é uma das principais representantes do debate ético e político contemporâneo, principalmente sobre a situação da moralidade e do indivíduo nos dias atuais.
Considerado como um comunitarista – corrente da ética e da filosofia política surgida em resposta à teoria liberal, representada principalmente pela publicação do livro do filósofo John Rawls, A theory of Justice[1] (1971) – MacIntyre propõe uma reavaliação da moralidade contemporânea, considerada por ele como fragmentada e arbitrária, fruto do fracasso iluminista de justificar racionalmente a moralidade. O projeto iluminista tinha em suas bases o abandono do esquema de justificação em vigor até aquele período, o aristotélico-tomista, que possuía em sua estrutura uma ética fundamentada em um telos, ou seja, uma ética embasada na finalidade de capacitar o homem a atingir o seu fim.
Para MacIntyre, o que vemos em nossa época é o resultado do fracasso iluminista “que afirma que a moralidade é fruto das paixões, interesses e circunstâncias” (MacINTYRE, 2001, p. 95) – nosso tempo é marcado por uma amálgama de opiniões fragmentadas, oriundas de contextos que não lhe oferecem mais justificação e completamente rivais. Um verdadeiro campo de discussões intermináveis, ineficazes para solucionar problemas urgentes no campo da ética, na filosofia política, problemas ambientais, dentre outros. Um problema, contudo, chama a atenção do filósofo escocês, e que substancialmente interage diretamente com o tema de nossa dissertação. O problema do desenraizamento dos indivíduos, a atomização, e a perca de um referencial que a cultura socialmente estabelecida pode oferecer para construir uma identidade sólida para o eu, esta que na visão de MacIntyre só podemos obter dentro das práticas sociais de uma comunidade.
MacIntyre propõe que o indivíduo seja considerado membro inserido numa comunidade política de iguais. Essa comunidade viria ser a responsável por aperfeiçoar a vida política, se exigindo uma cooperação social, um empenho em vista a um bem em comum, isto é, formas de comportamento que enobreçam a vida comunitária. Por isso, o indivíduo tem obrigações éticas a cumprir diante da finalidade social, deve viver para a sua comunidade organizada em torno de uma só ideia de bem comum.
Por isso, este conceito de comunidade é de suma importância em sua teoria moral. Ele é a base da construção de vários outros conceitos determinantes em sua tese, não somente o da ética das virtudes, mas também o de tradição de pesquisa racional e práticas sociais. Nossa hipótese é de que o conceito de comunidade moral serve de sustentação para o desenvolvimento da filosofia moral de Alasdair MacIntyre. Pensamos que há uma ponte entre comunidade, ética, práticas sociais, sendo que estes conceitos não subsistem sozinhos, eles sempre aparecem articulados, constituindo-se em uma tradição moral de pesquisa racional associada a uma comunidade moral.
Assim, a presente dissertação apresenta o conceito de comunidade moral na obra de Alasdair MacIntyre, descrevendo a importância e articulação desse conceito com outros conceitos fundamentais em sua filosofia, como a ética das virtudes e de tradição de pesquisa racional. Não obstante, apontaremos algumas das críticas a ele endereçadas e as respectivas respostas fornecidas pelo pensador e, por isso, a dissertação divide-se em três capítulos.
No primeiro deles, pretende-se analisar os elementos primários de constituição do conceito de comunidade moral: o bem comum, virtudes morais, práticas sociais e tradição apresentadas nas obras de MacIntyre. No segundo capítulo, analisaremos o conceito de comunidade dentro das quatro principais obras de Alasdair MacIntyre: Depois da virtude (2001); Justiça de Quem? Qual racionalidade? (2008), Three Rival Versions of Moral Enquiry: Encyclopedia, Genealogy and Tradition (1990) e Dependent Rational Animals: why human beings need the virtues (1999), que segundo nossa hipótese está articulada à teoria ética das virtudes, práticas sociais e o conceito de tradição de pesquisa racional. No terceiro e último capítulo, definiremos sua operação e importância para a constituição de sua filosofia moral, buscando refletir sua viabilidade filosófica como alternativa para os males de nossa época.
Lançaremos mão também de comentadores que nos auxiliarão no diálogo entre as obras. Dentre eles, podemos citar: Mark Murphy, que enfoca os principais temas da obra de MacIntyre com exposições críticas de vários autores de pontos de vista macintyreanos sobre a comunidade política, o papel da tradição no pensamento filosófico, filosofia moral, a filosofia das ciências sociais, teoria política, e sua crítica dos pressupostos e instituições da modernidade; Kelvin Knight que apresenta uma narrativa interpretativa da formação da filosofia de MacIntyre. Outro de suma importância também sobre a formação do pensamento macintyreano, o livro dos estudiosos John Horton e Susan Mendus: After MacIntyre. Critical Perspectives on the work of Alasdair MacIntyre[2] (1994). Este livro é composto de um conjunto de ensaios trazendo a posição de diversos estudiosos desde a publicação de Depois da virtude (2001). O volume inclui também uma resposta do próprio MacIntyre a seus comentadores. Outro estudioso com ampla bibliografia é Helder B. Aires de Carvalho, o trabalho Tradição e Racionalidade na Filosofia de Alasdair MacIntyre (1999), será de grande valia, por ser uma análise abrangente de Depois da Virtude (2001).
[1] RAWLS, John. A Theory of Justice. Oxford: Oxford University Press, 1999.
[2] Serão traduzidas ao longo do texto as citações retiradas dos livros mencionados em inglês e espanhol na bibliografia.