Esse trabalho discute as políticas dos corpos no Brasil durante as décadas de 1970 e 1980. A
análise é centrada no corpo sexuado e nas tensões acerca da relação sexo-gênero-desejo que
fizeram daqueles anos um espaço de limiaridade, já que a noção de natureza intrínseca ao corpo
e ao sexo foi deslocada por inúmeros processos que irrompem do campo da arte, das
possibilidades biotecnológicas, dos movimentos identitários e da publicização da vida íntima.
A proposta de análise consiste na discussão dos processos de sujeição representados pelo
controle político das corporeidades que se enraizava no dimorfismo, na coerência da identidade
de gênero e na existência de gêneros inteligíveis operando enquanto uma rede discursiva capaz
de produzir subjetividades e agindo no sentido de afastar as descontinuidades entre sexo, gênero
e desejo. Além disso, discute-se também o seu outro: o descentramento da matriz de
inteligibilidade heterossexual que parte da reinvenção dos lugares ocupados pelas mulheres e a
consequente reorientação das relações entre os gêneros, a exibição do corpo feminino nos
diversos produtos culturais – revistas, TV, cinema, imprensa, propaganda – o esmaecimento
das fronteiras entre a mulher de casa/mãe/esposa e a mulher da rua/vulgar/ prostituta, às novas
performances de gênero que rompem a essência e a coerência dos códigos corporais e sexuais,
a androginia e a ruptura das fronteiras do feminino e do masculino, a arte e a problematização
dos binarismos de gênero, as biotecnologias e as intervenções médico-cirúrgicas e a exibição
das práticas homo e transexuais. Esses deslocamentos colocavam a relação natureza/cultura no
centro do debate. Os corpos que não mais estavam organizados na ordem binária geram um
profundo mal-estar e passam por novas categorizações e capturas que fossem capazes de
oferecer possibilidades de inteligibilidade e de reconhecibilidade. Para alcançar os objetivos
traçados nessa pesquisa o corpus documental utilizado incluiu cartas, correspondências oficiais,
fontes hemerográficas, biografias, memórias, documentos judiciais, pareceres médicos e
arquivos das delegacias de costumes.