A presente pesquisa foi uma travessia. Travessia que jamais poderia ser feita sozinha. Foi uma travessia gestada por mãos que transbordam águas na lida com a vida à beira das pias de lavar roupas e louças. Águas ora salgadas perfiladas por dores, sofrimentos e espaços de perdas ora doces inundadas por risos, alegrias e vitórias. Sem a potência das águas salgadas e doces nossa jornada(minha e das mulheres que entrevistei) seria seca e infértil. As casas e a Lavanderia Comunitária dos Três Andares, localizado em uma favela da Zona Sul de Teresina, foram caminhos de rio cheios de surpresas e assombros que moldaram a mim e a estas mulheres para um melhoramento nosso por meio desse lindo (re)encontro. Nesses caminhos fui banhada, aninhada e zelada pelas mulheres desta comunidade periférica, em sua maior parte negras, que partilharam comigo suas histórias de vida carregadas de violências, marcado pelo expresso efeito do projeto destrutivo colonialista brasileiro que sempre se esmerou em apagar a cosmovisão de negras e negros da diáspora africana, mas também pela criatividade e dinamicidade concebidas por elas no e com o meio onde habitam. Diante disso, para me precaver das análises universalistas que só conseguem apreender as agências femininas postuladas como resistências que, aferrei-me às contribuições teóricas de Veena Das(2020) e Saba Mahmood(2006), uma vez que em seus trabalhos etnográficos no Médio Oriente(Paquistão e Egito), as pesquisadoras estão olhando para as mulheres mulçumanas apontarem suas saídas em contextos sociais marcadamente violentos e patriarcais, mobilizando suas agências, fora das prescrições de resistência das agendas feministas ocidentalizadas. Assuntar e acompanhar as oralidades destas mulheres periféricas me permitiu percebê-las metaforicamente como as Ayabás(orixás femininos que orientam as subjetividades de mulheres negras e de sua comunidade representadas por Iemanjá, Oxum, Iansã, Nanã, Obá e Ewá), as grandes mães, filhas e netas que banham, esfriam e apaziguam as Encruzilhadas da vida parindo processos de cuidar que atuam na restituição da vida e da dignidade do seu povo. Em outras palavras, suas casas, a lavanderia, a dimensão territorial onde habitam e os processos de cuidar são as Encruzilhadas, que de forma criativa e dinâmica elas tecem modos de ser e estar no mundo cheios de possibilidades e firmezas fundamentados na continuidade do trabalho de viver.