A hospitalidade é o ato de receber e acolher bem o hóspede, de ser amistoso e hospitaleiro, abrigar e oferecer ao outro cuidado, compreendida como uma lei, norma e tradição essa se caracteriza como uma hospitalidade condicionada e condicionante, reguladora dos vínculos e da sociabilidade. A hospitalidade absoluta apresentase como uma abertura ao outro, ao estrangeiro, esse ser estranho e não habitual, muitas vezes, estigmatizado e excluído por sua condição de diferença e nomadismo, ele exige a abertura à alteridade e ao exercício da hospitalidade absoluta, pois essa não exige condições para o acolhimento ou a entrada em um pacto, ela burla as leis da hospitalidade e as perverte. Dessa forma, é um impossível e um paradoxo que nos posiciona a pensar nas condições de reciprocidade e vínculo que construímos para com o outro. Todas essas elaborações, apoiadas na filosofia da diferença e no pensamento da desconstrução desenvolvida nas reflexões de Jacques Derrida visa ampliar o debate sobre a hospitalidade como prática ética de acolhimento. Esse estudo
cartografou a hospitalidade apresentada em uma instituição que se ocupa de abrigar, receber, acolher e cuidar de pessoas em situação de vulnerabilidade, desabrigadas, em situação de rua e/ou em sofrimento psíquico decorrentes do uso ou não de drogas (os estrangeiros), uma comunidade terapêutica na cidade de Parnaiba-PI. Essa instituição funciona como uma moradia que oferece suporte e abrigo àqueles que a buscam ou são encaminhados para as suas “terapêuticas” e “serviços”. Desse modo, com os objetivos de produzir visibilidade e dizibilidade aos modos como a hospitalidade acontece nesse serviço; como ela se organiza e se articula com as redes de cuidado; como os moradores dessa comunidade terapêutica vivenciam seus processos de institucionalização e hospitalidade. O pesquisador valendo-se do método da cartografia participou do cotidiano, negociou a formação de um grupo com os residentes dessa instituição e desenvolveu oficinas para produzir informações, implicações e analisadores sobre as experiências da hospitalidade. Essa experiência registrada em diário cartográfico, bem como, os materiais e produções decorrentes das oficinas foram filmados e fotografados. Portanto, esses materiais cultivados durante o percurso cartográfico estão sendo analisados por meio da análise do discurso com a finalidade de produzir problematizações, interpretações e desdobramentos sobre as práticas de hospitalidade vivenciadas no decorrer dessa pesquisa. Podemos identificar o rito da hospitalidade através dos movimentos do
cartógrafo e dos estrangeiros nessa instituição: o primeiro movimento, o de chegada ou encontro com a instituição, apresenta a experiência do pesquisador ao adentrar os espaços da casa, seu encontro com os estrangeiros, a caracterização da rotina; os estrangeiros, por sua vez, se apresentam e se identificam compartilham de suas historias de vida, memórias e lembranças, esclarecem qual a articulação entre a casa e outros serviços; em um segundo movimento, o da reciprocidade, as trocas entre o cartógrafo e os estrangeiros se fizeram no jogo da hospitalidade do dar-receber-retribuir, ou seja, para todos que adentram essa instituição as trocas e a reciprocidade produz subjetividades que os transformam de acolhidos em cuidadores; e no terceiro movimento o de saída da instituição é apresentada a esperança e suas expectativas de transformação, o desejo de mudança, a solicitação do reconhecimento das diferenças que mobilizem relações de amizade e acolhimento. Assim sendo, esse estudo nos aproximou de atravessamentos: de um lado relações de cuidado entre os participantes que acolhem as diferenças, produzem afetos alegres e positivos, constroem laços de amizade e reconhecimento que podem efetivamente transformar as suas perspectivas de vida e produzir mudanças, de outro lado, o poder disciplinar e pastoral, as normas da instituição, a desarticulação da rede de cuidados, o tratamento moral e os vieses de uma instituição total apontam para o fracasso da comunidade terapêutica como serviço suplementar para a Rede de Atenção Psicossocial. Essa mesma rede desarticulada e com falhas dá vazão a esses serviços substitutivos que oferecem, em parte, as necessidades de acolhimento como: a amizade, moradia, abrigo, alimento e espiritualidade. Logo, a hospitalidade absoluta e o reconhecimento das diferenças e da alteridade ampliam a permanência dos estrangeiros e produzem desejos de mudança de modos de vida enquanto as burocracias, o foco na medicalização, a carência de atividades de socialização e articulação com a sociedade, produzem a exclusão e a marginalização das diferenças.