Vivemos em um permanente estado de exceção que caracteriza o capitalismo e a produção de subjetividade na contemporaneidade. Um dos efeitos disso é a produção de modos de vidas precárias, vidas que estão na linha tênue do humano e inumano e que acabam sendo reduzidas à sobrevivência. Nesse contexto, a produção de subjetividade capitalística e o Estado articulam políticas de controle da vida e políticas de morte, agenciando processos de subjetivação segmentados em regimes de sujeição que podem levar, entre outras saídas, a suicídios. Diante desse quadro marcado pela produção de vidas precárias, como se constituem os modos de subjetivação e intervenção de profissionais junto a pessoas em situação de vulnerabilidade e violência auto infligida e a familiares que vivenciam luto relacionado à perda por suicídio? Como se produz vida diante da violência auto infligida e diante da perda por suicídio? A partir dessa problematização, realizamos uma pesquisa cartográfica com os seguintes objetivos: a) Cartografar modos de subjetivação e intervenção de profissionais em contextos de vida precária e de perda por suicídio; e especificamente: b) Conhecer processos de intervenção em contextos de vida precária e de perda por suicídio; c) Caracterizar processos de subjetivação em contextos de vida precária e de perda por suicídio; d) Analisar processos de subjetivação e intervenção em contextos de vida precária e de perda por suicídio. Para isso, utilizamos a Cartografia como método de pesquisa qualitativa em psicologia, e a Esquizoanálise como dispositivo de análise dos processos de subjetivação e intervenção cartografados, ou seja, para análise dos lineamentos molares, maleáveis e de fuga que se interconectam simultaneamente e formam linhas da vida. A Esquizoanálise articula saberes e práticas de diversas áreas do conhecimento e a Cartografia considera o conhecimento como invenção e a pesquisa como intervenção. Portanto, cartografar consiste em percorrer por caminhos que, apesar de já conhecidos, são caminhados de forma diferente. Dessa forma, utilizamos ferramentas-conceitos, dentre as quais: processos de subjetivação, vidas precárias, luto, vida nua, sofrimento ético-político. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 27356819.3.0000.5214). Participaram da pesquisa oito profissionais que atuam com a demanda de suicídio nos territórios da cidade de Parnaíba-PI, sendo 5 psicólogas, 1 assistente social, 1 agente comunitário de saúde e 1 pedagoga e arteterapeuta. Os dispositivos de produção de informações da cartografia foram oficinas virtuais realizadas pela plataforma Google Meet durante os meses de agosto e setembro de 2020, por meio dos seguintes objetos relacionais da arte: poesia e prosa, texto em cena e esquizodrama com intervenções em cena. Foram três oficinas distribuídas em sete encontros com dois grupos, cada um contando com quatro participantes. Dos processos de subjetivação e intervenção cartografados emergiram os seguintes analisadores: arte, espiritualidade, amizade, culpa, vergonha, dor e sofrimento. Mediante as narrativas dos profissionais participantes e os processos de subjetivação cartografados, pode-se perceber a arte, a espiritualidade e a amizade como dispositivos de intervenção em contextos de vidas precárias e perdas por suicídio. Observamos, a partir da análise, o quanto essas vidas são atravessadas pelos estigmas sociais da culpabilização e vergonha, o que gera mais dor e sofrimento e dificuldade de viver o trabalho de luto. Conclui-se, diante das intervenções dos profissionais, que estes se reinventam, ora reproduzindo práticas instituídas na rede de atenção psicossocial, ora instituindo processos inventivos e criativos.